O Globo – 7 de maio de 2012.
A politica separada da moral é um prato cheio para os moralistas, que com suas críticas espetaculares conseguem desmoralizar mais o que não deveria ser desmoralizado. Porque sem a base real dada pela atividade prática para sustentar a conduta, os políticos podem se valer de qualquer expediente para parecer o que de fato não são. Tal fenômeno tem o mesmo significado obscuro que é a criação e a posse da riqueza individual nos nossos dias. Como prestígio politico e patrimônio pessoal não são mais experiências comunicáveis e compreensíveis, para dar continuidade às farsas que andam por aí basta dizer que os tem e aguardar a confirmação dos costumes e leis da “moderna” prática individualista. Afinal quando a política e a riqueza não servem mais, nem ao bem comum nem para transmitir sabedoria, parece antiquado procurar seu verdadeiro mérito e significado.
O fenômeno não é exclusivamente brasileiro, nem pode ser marcado como pertencente ao regime capitalista ou socialista. O noticiário dos últimos dias revela bem como a sociedade vê-se desamparada diante do jogo de sombras que é a construção das carreiras públicas e fortunas pessoais no mundo do espetáculo que domina o dia a dia. E ninguém sabe ao certo de onde vem a ordem que sustenta e dá asas aos mitos de pés de barro. Afinal de contas, porque estamos juntos submetidos às mesmas leis? O que parece é que pelas reais regras do jogo alguns devem mentir para que possamos acreditar neles.
A critica política tem uma poderosa capacidade de mobilizar todos os instintos mas não explica todas as coisas obscuras. A política é , observando bem, o ponto de aplicação de outros poderes tão eficazes quanto ela no controle de detalhes. Sozinha, seus mecanismos não produzem a dominação disciplinar dos seus seguidores nem alcança os objetivos, positivos ou negativos, dela derivados. Mapear o poder da política na produção de suas próprias mazelas pode ser uma tarefa frustrante e cheia de surpresas: é grande a chance de aparecer em maior número os não-políticos por trás da estrutura invisível da política como poder. Poucos países estão dispostos a investigar a origem das fortunas dos amigos dos políticos. O poder político moderno é capilar e onipresente para quem quiser se submeter a ele, mas não é onipotente nem abarca tudo o que é significativo para a sociedade e para a vida humana. O que existe é que algumas pessoas e instituições não temem a opinião dos outros e nem se submetem ao controle coercitivo das leis e normas que regulamentam a vida de todos. A grande novidade moderna é a presença entre os insubordinados de uma maioria de autoridades violando a lei, e também este surgimento de bilionários, da noite para o dia, em países e atividades incompreensíveis, financiadas ou tuteladas pelo Estado. Não é só o mundo da droga e da delinquência catalogada que anda fazendo fortuna por aí.
A evolução do patrimônio pessoal de algumas autoridades públicas e a multiplicação do lucro líquido de algumas pessoas e instituições privadas não estão escritos em nenhuma língua conhecida. Nem pode ser compreendido de forma natural como se fosse a linguagem matemática. E é da incompreensão dessa contabilidade esdrúxula que nasce a aparência de fatalidade que conduz á despolitização de tudo. Os meios de comunicação, com seu espírito muito próximo do esportivo e muitas vezes numa tagarelice sem fim, disparam em apostas de todo tipo, prognósticos e diagnósticos, levando todas as discussões para o lado do espetáculo ou do escândalo, duas coisas que cada vez mais se parecem.
Todos os valores humanos passaram a ser ofertados como consumo e mercadoria. Não existem regras ou normas fixas para adquiri-los, nem sistema educacional que estimule a capacidade de percepção, baseado na contenção e na acumulação de conhecimentos gerais. Ensinar a viver é ensinar a aparecer, usufruir do princípio da ganância. Não importa como, com quem, contra quem.
Ampliar a força da comunidade e dos cidadãos sobre o indivíduo diminui a crença na política como espaço privado de “profissionais”.
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PAULO DELGADO é sociólogo. Foi deputado federal.
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