Prontidão industrial

A tradição constitucional pacifista não assegura êxito estratégico ao país

Nenhuma virtude é natural. Adquirida e praticada não é certo que traga recompensa. Especialmente nas relações políticas e econômicas entre nações. Tudo hoje é partilhado, fluído, interdependente e ameaçado pela ousadia da criminalidade. Um novo poder sem rosto – cão que não ladra à noite – testando a vitalidade e o marasmo da sociedade.

A tradição constitucional pacifista que praticamos, não assegura por si só êxito estratégico ao país como nação. Nem a baixa animosidade de nosso povo é mais companheira do cotidiano das cidades. Os últimos vinte anos são de preocupante estagnação e desmodernização de nossa indústria de defesa. As fronteiras extensas, o crime sem castigo, a riqueza de papel, os rearranjos mundiais apontam para a reinvenção das fontes de poder e dos objetivos nacionais.

É bom lembrar que a consolidação pacífica de nossas fronteiras correspondeu ao período de reconhecida projeção do poder naval brasileiro. A ajustada política de defesa respalda a altivez da nota diplomática. É também, a alta tecnologia dos seus equipamentos de defesa e segurança que sustentam a neutralidade política da Suíça.

A violência é hoje a mais flagrante manifestação de poder em competição com o estado democrático. Possui variados níveis de hostilidade, comando e aplicação. Organização social ilegal que desorganiza a rotina diária do cidadão comum, ferindo seus direitos mais elementares. Ela funciona como um sistema: é provedora de empregos; expulsa ou corrompe os representantes locais do poder público; implanta na sociedade verdadeira cultura da extorsão, corrupção, onde descumprir a lei produz mais benefícios do que respeitá-la.

A exploração e proteção de nossos recursos mobilizam bilhões de dólares, de uma plataforma de petróleo, hidrelétrica, reatores nucleares – protegidos somente por apólices de seguro. A Amazônia, escudo verde, cobiçado e ameaçado. Na costa, o cofre desprotegido do mar territorial. Em geopolítica os escudos viram alvos e as ameaças territoriais transformam-se em ameaças econômicas.

Segurança é o dever do estado de criar condições para que o indivíduo possa viver em comunidade. É um estado de liberdade, paz; a tranqüilidade de que dela resulta é a situação em que não há nada a temer. Defesa é meio e método de proteção; capacidade de resistir a ataque; equipamento, estrutura; complexo industrial que autoriza e supervisiona a produção e aquisição de armamentos e demais recursos militares afins. Sofisticação e inteligência a serviço da dissuasão.

A evolução das tecnologias, de origem ou natureza militar, terrestre, naval, aérea e espacial, combinados com as limitações econômicas, criou o ambiente de cooperação que torna governos estrangeiros e iniciativa privada parceiros, em profundidade e extensão, dos programas de segurança e defesa, sob controle e supervisão do Estado.

A política industrial de defesa é essencial para que a política de defesa se distinga de uma mera política de segurança interna. Também, para que retome a boa vocação militar brasileira de combinar mobilização industrial, inovação tecnológica, ensino e pesquisa.

Uma indústria de defesa é parte de uma boa política econômica ciente do valor estratégico das estruturas de longo prazo. Seu funcionamento agrega substância à política externa. Amplia a integração continental via participação na competição regional por manutenção, modernização e reequipamento das Forças Armadas e policiais dos nossos vizinhos ou outros continentes. Contribui para consolidar nossa confiança recíproca, convergindo para uma maior compatibilização de equipamentos: armas conhecidas e partilhadas suplantam compreensão hostil de sua aquisição.

Caminhos de co-produção que fomentem o intercâmbio comercial e a cooperação de inspiração e critérios multilaterais. A política de segurança e defesa não como corolário de projeção de força, mas do desenvolvimento econômico mais geral da sociedade.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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