Quem controla o presente

A legislação nacional gera mais receita pública do que emprego privado

As pessoas não prestam muita atenção aos seus limites e dificuldades. Nem parecem dar muito valor a perda da utilidade de profissões, habilidades, formas de perseguir e conquistar colocações. Deixadas sós, acham-se no caminho das automelhorias corporais, gastronômicas, psíquicas. Ou se perdem acossadas pela depressão ou a criminalidade. A vida está cheia de todos, alguns, muitos. Mas o que preenche a vida do um? Notoriedade, reputação e fama são hoje tão transitórias como o período de vida das competências úteis para os que conseguem alguma coisa. Quem, de fato, hoje está no controle do seu próprio destino? Colecionador de sensações é o dia-a-dia de quem sai por aí sozinho em busca de sua necessidade corporal, material, espiritual ou profissional.

De pato a ganso tem pouco avanço. A concentração de poder na autoridade não significa que ela tenha adquirido igual capacidade de diagnóstico para produzir solução. A liberdade individual de ser diferente tem servido de base para a separação das pessoas e, em muitos casos, o que parece proteger ameaça a qualidade de vida. Há uma fadiga em curso, dissipação do desejo de partilhar responsabilidades e parcerias. Mania de consumir regras sem ligar para os outros. Caos ou comunidade, é o destino.

Para que a sociedade funcione é preciso que esteja clara e compreensível a legitimidade e legalidade de contratar e oferecer trabalho. E que os dois lados tenham prazer no que estão fazendo. Riqueza, renda, mercadoria, dinheiro e emprego são regulados por razões econômicas. E não devia ser considerado estúpido quem não está satisfeito com suas regras. Ou problema pessoal não conseguir trabalhar. A sociedade em que os sindicatos protegem os empregos é cada vez mais restrita a poucas categorias profissionais. A capacidade da educação média dar resposta rápida à demanda por treinamento ocupacional anda distante do mundo prático dos alunos. A educação superior sente-se desconfortável diante do mercado de trabalho e não compreende que quando a economia afastou de perto de si a política, o que toca a vida, mesmo nos seus aspectos não econômicos, são as razões da economia.

O nome negativo dado a terceirização, inovação e flexibilização interdita a atualização da legislação trabalhista entre nós e ajuda a manter os altos níveis de informalidade do mercado de trabalho. Não é hora de negar tudo, mas de repensar muita coisa. O setor público pode estimular o predomínio do número de cidadãos autônomos, fruto do aumento de contribuintes. Basta deslocar a trincheira da tributação excessiva de poucos para a da participação na produção e circulação da riqueza de muitos. Afinal, o atual ambiente tributário e trabalhista gera mais receita pública do que emprego privado.

Num mundo de redes e produção partilhada quem se prepara para a multifuncionalidade não teme a especialização, pois está mais próximo da empregabilidade do que quem sonha com a estabilidade. A luta pelo emprego não é muito diferente da luta política. Se um operário pode ser presidente e não precisa que um fiscal do sindicato ou procurador do Trabalho o acompanhe na assinatura de uma lei porque insistir na hipossuficiência do trabalhador? Proteger o empregado contra si próprio, não deixá-lo procurar e manter livremente seu emprego, é dizer que ele sabe menos do que o oficial da Justiça. Emprego voluntário é o mesmo que demissão voluntária seu juiz.

Claro que nenhuma mudança deve ser unilateral. Mas é bom lembrar que as leis trabalhistas existem para a defesa dos trabalhadores e também para as necessidades da gestão empresarial. Ela é bilateral ou alguém imagina aumentar empregos sem que alguém os contrate? O descaso em aceitar uma nova tipologia do trabalho se vale muito dessa dispersão das autoridades, temerosas de enfrentarem o mundo pós industrial e descuidadas da administração eficiente do Estado provedor.

Ninguém escolhe a vida precária, é agravado por ela. Um chamado à solidariedade, responsabilidade, visão de futuro vale mais do que à obediência a regras ultrapassadas, incompatíveis com a capacidade de trabalhar, criar e lutar que tem nosso povo.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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