Sobre falências e falácias

Fraudador e vigarista na bolsa de valores é crime. E na política?

O liberalismo financeiro não vê a vida da sociedade. O esquerdismo social não acredita na existência da economia. Abstração é o que convoca o sedentário Fórum Econômico de Davos e o nômade Fórum Social de Belém. O Econômico está de olho no indivíduo como consumidor de riquezas. O Social quer sua distribuição política.

A geoeconomia de Davos e a geopolítica de Belém tiveram muita coisa em comum. Os dois não vivem sem o Estado. São réplicas da formidável agitação financeira imaterial – especulação, derivativos, empréstimos, créditos, refinanciamentos – que criou um poder sem rosto e uma riqueza de papel sem precedentes. Ao largo dos sistemas formais de poder. Magia da globalização anabolizada. Foi bom para todos enquanto foi bom, piora geral quando piora. Todos se deram bem com a bolha e foram estimulados a investir, consumir, endividar, viver de crédito em todos os países.

Mas é baixo o poder de pressão de quem acredita em reunião. No mundo moderno não é reunião que reúne. O que conta são as idéias que vão e vêm como ondas.

A economia financeira para Davos e a política social para Belém serão geridas por quem? Com o atual sistema político em vigor – totalmente desregulamentado – não será fácil oferecer lições ao mundo. Não é resultado das forças do mercado termos bancos maiores do que o PIB de seu próprio país. Muito da crise tem origem na preguiça do Estado em cumprir suas funções com eficiência e discrição. Qual país no mundo atual não é governado pelo Estado? Qual ação, empréstimo, crédito, imposto, lei ambiental, cambial, trabalhista, não é resultado de lei estatal? Por que o Estado não valoriza e estimula a capacidade de poupança doméstica para diminuir a dependência do indivíduo da sua proteção? Quem deve muito pertence a quem? Afinal, patrimônio se forma é com o que se retém e não com o que se ganha. É a qualidade da liberdade que influencia na qualidade da economia, mercadoria e da vida em sociedade.

A sustentabilidade é também um conceito político, não só ambiental. Aumentar o poder da opinião pública diminui a ilusão com o estado autoritário, protecionismo econômico e a irritação com o mercado e o consumo. Há uma cidadania do comprador que veio para ficar. O dominó que está se seguindo – a crise financeira vira econômica, que vira social – não será detido se a política continuar tão irrelevante. E há quanto tempo a política vem burlando a confiança dos outros também? Fraudador e vigarista na bolsa é crime. E na política?

Davos quer o mundo, Belém quer o país. Vivemos num mundo de países. Perigosamente, os dois Fóruns podem estar querendo a mesma coisa: o nacionalismo estatal, regulamentador e arbitrário. Muito uso, muito abuso é quase uma regra do Estado.

A liberdade sem influência costuma tornar as escolhas insignificantes. De que vale estar certo se você não manda ou quando já não importa mais? Como capacidade prática, a liberdade não tem dono e não adianta se for usada para produzir autorizações em democracias precárias. A idéia de que pessoas que pensam igual, juntas, somam seus interesses e problemas e assim produzem, cumulativamente, uma força coletiva não é um bem sempre nem é verdade para tudo. O individuo é o pior inimigo do cidadão e a manipulação rival da educação. Se a defesa de todo interesse comum exigir uma lei, uma autoridade, não haverá progresso no mundo moderno. Buscar normas partilhadas, aumentar a autorregulação e a autonomia da sociedade ajuda a deter o sindicato do egoísmo que continua na base da maioria das divergências políticas.

O futuro só é uma ameaça quando não se tem um mínimo de controle sobre o presente. O poder flutua sem parar, melhora ou piora as nações, mas a política permanece atada ao chão dos políticos e seus mistérios. A sensação vinda dos Fóruns é de que tivemos duas reuniões dos que perderam o controle do presente. Querem guiar mas se sentem empurrados pelo mundo. Interesses diversos, fórum dos ricos ou dos pobres, pessoas diferentes em busca de orientação e objetivos parecidos.

Nem meninos nem lobos. Mas certamente presos a estigmas de quem ainda não parou para pensar em mudar a política e suas prioridades.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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