O Globo – 7 de janeiro de 2013.
Os sinais de encanto e opulência do mais belo balneário brasileiro misturam-se ruidosamente com os aproveitadores da sua derrota. Mas não é só o turista predador que corrói tudo com sua mania de querer reinar sobre o instante. Quem tiver paciência com o caos de Búzios vai contribuir para torná-la apenas memória de mais uma rica e múltipla cidade brasileira abandonada pela incúria das autoridades, protegidas pelo silêncio do seu povo empobrecido. A notoriedade da cidade não serve para nada se desfigurada por aqueles que dela se apoderam. Essa ignorância recíproca – dos moradores, das autoridades e dos turistas – sobre sua importância para a economia do lazer e o meio ambiente a colocam com os dias contados. Igual a suas vizinhas, que, após usufruir até a exaustão da alegria tomada de empréstimo da colossal beleza da Região dos Lagos, as elites e os vândalos acabaram largando para lá como quem quebra ossos e parte.
Todas as épocas de grande mobilidade social, impulsionadas por políticas de inclusão social em nosso país, apresentaram graves distorções. Improvisada ou espontânea, num país tão grande e meio sem dono, a modernidade avança sobre as cidades, a natureza e a oferta de serviços com espírito de manada onde progresso é visto como fila, correnteza de gente que absorve tudo sem conluio ou gratidão com o lugar, encarado tal qual paisagem decorativa. Sem infraestrutura, políticas públicas reconhecidas e democráticas, a qualidade de vida não passa de mero usufruto sob todas as formas de gula: fartam-se construtores predadores e fartam-se políticos especialistas em passar a perna no cidadão obstinado por ofertas graciosas de tudo.
Produziu-se, assim, na busca da satisfação das necessidades urgentes às quais todos se obrigam, um escape anárquico para cima e para fora da rotina de todas as classes sociais, cegas na confusão entre poder de compra e cidadania. Sem serviços coletivos de qualidade, a fúria privada se impõe: para uns, no uso abusivo do carro, para outros, no exibicionismo intimidador do helicóptero – usados sem critério nas ruas e sobre as praias, em confronto crescente com a razoabilidade do tráfego, a segurança dos cidadãos, a mera noção de lei e ordem.
Talvez por causa do déficit de atenção social e individual acumulado ao longo da vida, muitas pessoas – abastadas ou não – aproveitam os ajuntamentos para despertar interesse, seja pela grosseira, seja pelos exageros. Um vozerio de aves, música sexista e em volume que ultrapassa qualquer senso, em ritmos que lembram desarranjos digestivos, brotam de casas, condomínios e carros numa escala desmedida. Por outro lado, concessionários de luz, telefone e água negam o básico à multidão que escolheu Búzios para começar um novo ano.
Do jeito que está, Búzios desambienta, sem iluminar. O novo ano e outra administração municipal podem ser um bom motivo de alegria. Preservar essa península, na sua efervescência e paz, é a ousadia que pede a natureza. Para que não se misturem a felicidade e a infelicidade que é estar e sofrer em Búzios.
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PAULO DELGADO é sociólogo.
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