Um brasileiro igual a você

Paulo Delgado é membro do Conselho Diretor do Inae – Instituto Nacional de Altos Estudos e participou do Fórum Especial Internet, cujo tema foi: Quem elegeu Lula? As forças e fatores políticos que levaram aos 60 milhões de votos. Na manhã do dia 25/01/2007, os renomados cientistas políticos Marcos Coimbra e Jairo Nicolau analisaram o tema e o Fórum convidou seis comentaristas especiais para manifestar-se: o deputado Paulo Delgado, o senador Demóstenes Torres e os cientistas políticos Bolívar Lamounier, Maria Celina D’Araújo, Lúcia Hipólito e Marcus Faria Figueiredo.

A seguir a íntegra do artigo do Paulo Delgado.

Como num jogo de cabo-de-guerra, a segunda reeleição brasileira no dia marcado determina que o eleitor solte a corda e derrube o opositor, fixando em oito anos o elástico mandato de quatro. Só que agora o vitorioso não desfruta mais da posição credora junto ao eleitorado, exaurida pelo ato de governar. Elege-se em posição devedora, pois é sucessor de seus acertos e erros.

Mas não há muita possibilidade de inscrever essa campanha de 2006 no processo de fortalecimento das instituições políticas e democráticas. Foi conduzida de forma a debilitá-la, testando a lei ao limite, sem o temor de ser por ela colhido. Um dado, porém é muito positivo, mas preocupante: o uso do voto visto como rotina, normalidade, sem que isso corresponda a um sentimento superior de cidadania. Mera renovação de mandatos em uma eleição monótona sem base em um projeto convocante ou uma agenda de modernização vigorosa para um país relevante.

A vitória eleitoral é como o sucesso, uma vez ocorrida ela se explica por si só. Sem ensinamentos grandiloqüentes revela-se a manifestação natural de uma tendência agregadora, reforçada pela expectativa de poder própria da reeleição. A novidade é que tivemos duas eleições diferentes dentro de uma. A pitoresca fase azul do primeiro turno que se mostrou insuficiente por estar de costas para o ambiente de discórdia, rumor e rixa que predominava então. E a vitoriosa fase vermelha do segundo que repôs a eleição nos seus devidos termos de competição ao reforçar os “indicadores a respeito dos sentimentos médios da população sobre as perspectivas do país.” Ambas testando a reputação do eleitor cortejado pelos candidatos com o nível de compreensão e preconceito que seus marqueteiros, esses dândis do narcisismo eleitoral, têm em relação ao povo. Estamos consagrando um erro como virtude: ajustado ao marketing, o político é cada vez mais uma habilidade e cada vez menos uma causa.

Vivemos num país de interesses basicamente domésticos, voltado para as urgências do dia-a-dia, onde a informalidade é um sistema que extrapola o mundo da economia. Ainda distante das grandes cadeias de conhecimento tecnológico e de vigor científico do mundo contemporâneo, sem muita esperança de renovação da sua rotina ou mesmo de indisposição com a fortuna de seus líderes, o eleitorado 2006 congelou o Brasil no seu nível de compreensão tradicional: a política é dos políticos e eles são todos iguais e se sustentam em nossa profunda desigualdade social. Qualquer situação positiva que melhore as condições de vida da família motiva e explica sua opção. Compreendendo o espírito da coisa o eleitor usou o voto como título rentável, uma ação resgatada na boca da urna, bem ao estilo tradicional e patrimonialista, reforçado pela idéia que “eleição se ganha fazendo boa campanha” ampliada pela fantasia da propaganda eleitoral. Tudo oferecido ao povo de graça por todos os candidatos. Em tal circunstância a oferta do Governo era mais concreta e prevaleceu.

Nesse ambiente de eleitoralismo puro e sem o risco de compromissos econômicos inovadores ou profundezas ideológicas que complicassem ou colocassem sob suspeita a situação, a regra é manter intocável o status quo. Sem agenda relevante para o futuro ou acerto de contas com o passado bastou manter o padrão da competição eleitoral nos níveis permissivos dos dias atuais.

Tudo que um líder político numa sociedade de massas precisa é de tempo para unir todos em torno de sua inquietação. O PT foi o partido brasileiro que soube melhor fazer isso em torno de seu líder, mantendo o país numa campanha eleitoral permanente desde os anos 80 e levando este estilo para seu Governo. Para não soçobrar nas atribulações de seu primeiro mandato, Lula teve o cuidado de não se oferecer ao eleitorado como líder, mas como um igual. Pediu simpatia para sua historia de vida, bem sucedida e reconhecida, de origem pobre e sofrida e compreensão para seus erros e de seu governo, subsumidos como naturais e inevitáveis e assumidos pelo PT e pelo Congresso Nacional.

A crise do primeiro governo fez Lula perceber que só triunfaria como príncipe empobrecido e injustiçado, capaz de governar para o povo. Como desde o início já havia mudado seu conceito de mudança ao reconhecer valor na gestão autônoma do capital financeiro além de não interferir na política econômica ortodoxa dos últimos anos ficou paradoxalmente livre para distribuir benefícios sociais e sacar à descoberto de um PIB que não cresce. Assim passando a ter o direito de pleitear o eleitor dos outros, avançando sobre os municípios mais pobres do país no Norte e Nordeste (os antigos “burgos podres” da tragédia regional brasileira). “Seu desempenho é sempre melhor à medida que pioram as condições sociais dos municípios”. Sentiu-se igualmente confortável para fazer campanha entre os velhos coronéis contra neófitos.

O sinal mais claro do êxito de sua nova postura apareceu um ano antes da eleição, criou condições para a vitória e selou a empatia entre o candidato e o eleitor como dois iguais. Multiplicando ações de governo a cada dia por setores sociais e regiões, surgia no Brasil a presença da política pública pelo prisma de um corte diagonal de classes, num avanço contra o tradicional corte transversal, de classes estanques. Assim Lula consegue de alto a baixo, estar presente em um pouco de toda a sociedade com notória concentração nas classes populares. Esta inovadora presença das ações do governo ao longo de toda pirâmide social é o seu maior feito.

O eleitor comum, que só considera “político”, o ano da eleição se sentiu beneficiado, e com seu senso de preservação e conservador como é, considerou essa política, expressão de compromissos realizados e não viu nada melhor nos outros. Decidindo não mudar, parece não ter exigido nada além para o futuro. Cabe ao presidente Lula mostrar ao país que isso não é suficiente.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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