Velocidade incômoda

O futuro é sempre mais caro do que o presente. Mesmo assim, famílias não temem quebrar seus orçamentos para educar os filhos. Governos gostam mais do mais barato e gastam muito e errado no fugaz tempo presente. São menos generosos do que as famílias, mas onde isso acontece países também são menos avançados. A natureza é pródiga com alguns povos mesmo não sendo bastante e suficiente o que ela possibilita – especialmente depois do avanço da ciência e da tecnologia. Hoje, o desenvolvimento concebido unicamente numa perspectiva extrativa ou meramente fundada na ideia de racionalidade técnica copiada, sem teoria e prática científica inovadora, é inconcebível e insignificante para o progresso de uma nação: permite aqui e ali uma empresa relevante, dois ou três cientistas geniais, mas nada que altere o destino de jovens e adultos em comparação com outros países. É um desamparo civil para a juventude continuar tão improvisadora com sua sabedoria dispersa, autodidata, buscando cursar o que lhe dá na telha por não ser orientada e alertada para a incompatibilidade entre o que a interessa e a tecnologia e o futuro disponíveis no mundo.

Todos os países prósperos estão atentos para as alterações – em graus diferentes, a depender da região no mundo – e para o ciclo de mudanças drásticas que vai ocorrer nos próximos quinze anos. É o advento da geração totalmente digital, da hiperconectividade que dissolve a realidade geográfica e submete o espaço físico à nuvem virtual. China e Coréia já refletem esses novos tempos, com o desenvolvimento de cidades interativas onde todas as atividades serão teleconectáveis, permitindo a seus moradores trabalhar, comprar, vender e se associar pela internet. É espantoso o radicalismo da visão e do estilo de vida que se anuncia, sem que a maioria dos países se dê conta da complexidade do desenvolvimento material, intelectual, afetivo e moral que dele decorre.

Ao mesmo tempo, não há a coragem e o descortino para a adequação, e em muitos casos superação, da lógica das leis educacionais, trabalhistas e previdenciárias obsoletas, que só protegem os que já são protegidos ou estão de alguma maneira em suas carreiras ou empregos. Regras que vieram do século XIX europeu e são indiferentes às novas formas de educação, trabalho e vida útil e aos conceitos fluídos de territorialidade que a internet e a ciência construíram e impuseram a tudo e a todos. Ameaça a fronteira tecnológica da nação esse ambiente regulatório defasado, cujo aparato legal não contribui para aumentar o estímulo à inovação científica, ao trabalho disponível e ao surgimento de campos educacionais e empresariais inesperados.

O fundamento do conhecimento científico – sua visão teórica e filosófica aliada à experimentação – ensinado e apreendido desde o ensino básico facilita a convivência com os modelos de raciocínio essenciais para o desenvolvimento de competências, hábitos e argumentações próprias das ciências e suas tecnologias. Em qualquer tempo, e de forma progressiva e cumulativa, é possível vivenciar a prática das ciências e acostumar-se com o sabor da elaboração de comunicações racionais e científicas, seja na forma de experimentos, relatórios, artigos, exposições, comunicações. No entanto, a força do senso comum e o hábito do empirismo no nosso país e, até aqui, a facilidade que isso permitiu para a resolução dos problemas do dia a dia, não deixa a escola – fundamental e superior – explodir em crise criativa e se escandalizar com sua baixa qualidade técnica, lógica, matemática, reflexiva, científica.

Nossa linguagem escolar e acadêmica não tem produzido uma cultura confortável para a superação individual, o elevado saber e a fabricação do conhecimento. Tudo entre nós é considerado simples, e o devido valor a quem simplificou – pela pesquisa, observação, trabalho e conhecimento sistemático – é negado (somos um país sem patentes, com raras grandes marcas e que pouco respeita a propriedade intelectual). Essa lógica faz com que o prestígio do simplificador informal supere o do cientista e situa o país no lado oposto ao do progresso e desenvolvimento consistente, cumulativo e sem modismos. Para crescer de maneira sustentável e mais cômoda é urgente contribuir e participar da velocidade da mudança mundial. E gastar mais com o futuro, conferindo posição dominante à pesquisa e à cultura científica.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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