Verdade conveniente

Lei do estágio não deveria ser inimiga da estabilidade para os jovens iniciantes

Dar pulo não faz o jovem mais alto. Embora o caminho da socialização e da integração comunitária da juventude, entre nós, ocorra mais pelo trabalho do que pelo estudo. Isso é fruto do abandono histórico da escola como principal fator de mudança e progresso da sociedade brasileira. Nossa escolaridade não conduz à estudiosidade – o gosto de aprender – nem à praticidade da vida cotidiana – o conforto para sobreviver. Estudar para quê? Perguntam-se muitos jovens a si próprios e a seus pais. A prática do estágio justifica e contém um novo horizonte educacional e profissional. Combina o gosto pelo estudo com o conhecimento do ambiente do trabalho e as informações sobre as possibilidades dos dois na sociedade moderna.

Com as mudanças no mundo do trabalho e nos sentidos e urgências da educação evoluíram-se as idéias de inserção da juventude no mercado e na inclusão escolar, especialmente das camadas menos favorecidas da população. Enfrentar a baixa escolaridade e a falta de capacidade profissional de nossos jovens são os desafios da nova lei de estágios. Desenvolver uma pedagogia educacional para uma autonomia trabalhista. Crescer andando, aos poucos, sem precisar pular, desesperar. Deslocar o risco social que arregimenta jovens sem destino em busca de sobrevivência, manutenção, para outra realidade possível que está contida nos princípios do educar para a vida, aprender para o trabalho. O fazer e o pensar por conta própria. Poder gostar de ter um objetivo, antes mesmo de entendê-lo. Sair de casa, querendo voltar para contar e partilhar o prazer que é sentir que se aprende melhor fazendo.

De matriz e forte vocação social prática, o estágio é um método. A ponte entre o jovem, a escola e a empresa. Há, no entanto, na lei um equívoco sobre as possibilidades futuras da vinculação trabalhista do jovem à instituição onde estagiou. Procura conter isso estabelecendo prazos máximos para o estagiário na mesma instituição. Ora, vestir a camisa desde o início é a história de sucesso de inúmeros diretores, de empresas e escritórios, no Brasil e no mundo.

Livrar o jovem da incerteza, eis o objetivo do estágio. E quem começa uma carreira por ele deveria ser estimulado, bem como a empresa que o acolheu, a permanecer por lá. A vida econômica já produz desencaixes excessivos na vida das pessoas. Não deveria ser a lei do estágio uma inimiga da estabilidade das ocupações longas para jovens iniciantes. Mesmo porque preparar-se para o trabalho é a melhor maneira de procurar emprego.

O mundo da educação e do trabalho é infinito e sempre deve transmitir algo novo quando expresso em suas leis e códigos. Embora dirigido a indivíduos no presente deve mirar gerações, independência de alma que é o que anima e reúne a juventude. A qualificação crescente de mão de obra e níveis elevados de educação e cultura conviveria melhor com a diminuição da tributação para quem acolhesse e multiplicasse a oferta de vagas para aprendizes e estagiários. A supervisão escolar permanente, tendo claro o tempo do trabalho e da escola, é essencial para garantir seu caráter sócio-educativo.

O estágio é um sucesso consagrado, confirmado por verdades convenientes. Ganha mais quem estuda mais e de forma aplicada. Maneja melhor os instrumentos de sua profissão quem a testou no estágio. Quem é mais ocupado é mais ocupável. Para jovens portadores de deficiência é a principal porta de entrada para o mercado de trabalho e para os estudantes pobres a principal motivação para permanecerem na escola.

Ao incentivar o estágio, abrem-se novas oportunidades para os jovens no vasto mundo do futuro das profissões. E rompe-se com o mantra das sociedades fora do radar da inovação, tecnologia e cultura do progresso empreendedor: há muita gente sem emprego, mas também há muito emprego sem gente. Passagem supervisionada do estudo ao trabalho, o estágio ajuda o jovem a crescer, sem precisar dar seus pulos por aí.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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