Talento e Harmonia

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 15 de janeiro de 2012.

Nas últimas décadas, os mais retumbantes exemplos de sucesso de países na promoção de sua convergência para os padrões mais altos de desenvolvimento vêm do Leste Asiático. Japão primeiro, depois os quatro tigres (Hong Kong, Coreia do Sul, Singapura e Taiwan) e, finalmente, a China. A rapidez com que ocorreu e ocorre (no caso da China) seu crescimento é digna de inspirar algumas lições.

Colocando de lado as peculiaridades institucionais, culturais e geográficas de cada país, o que dá robustez e sustentação ao crescimento é uma alta taxa de investimento em formação bruta de capital e em educação (capital humano). Aliada a uma abertura inteligente e não-passiva ao mercado externo. Ou seja, fora a capacidade de por em prática uma massiva mobilização de seus recursos de maneira eficiente, não há nada de sobrenatural na riqueza recente desses países. A base disto tudo é a determinação para prestigiar a educação, o conhecimento e a formação de marcas nacionais.

No caso do Brasil, a boa notícia é que entre 2000 e 2008, o país aumentou em 121% seus gastos com a educação primária e secundária. De um universo de 30 países, esse foi o maior aumento notado na última pesquisa do tipo divulgada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2011. O desafio é acentuar ainda mais esse percurso e dotá-lo de mais audácia pedagógica, identidade cultural, familiaridade tecnológica e maior ênfase em criatividade e inovação.

Quanto ao investimento e abertura mais autônoma e informada ao mercado externo, uma série de reformas estruturais são necessárias para que possamos chegar aos níveis desejáveis para um país competitivo. A percepção internacional sobre nosso sucesso atual só será sólida quando estiver baseada em uma real estratégia de desenvolvimento local, que tenha relação tanto com o poder da identidade cultural da nação como com o vigor que se sustenta em marcas e produtos industriais aqui projetados. Para se livrar de incidentes comerciais e assimetrias de toda a ordem é preciso expandir a capacidade gerencial, financeira e tecnológica da produção doméstica. E administrar melhor a riqueza dos recursos naturais e das commodities, aumentando a industrialização e a taxa de poupança do país.

Em todo caso, é inegável o avanço nos últimos anos e é em boa hora que a ciência e a tecnologia tornam-se parte do discurso do governo sobre o que é importante e prioritário para o Brasil. Pois não se sustenta no tempo — em relação à educação, indústria e comércio — considerar tais setores desvinculados de qualquer área da competição internacional. Afinal, o tempo anda para todos… ao mesmo tempo. Com um mercado interno tão deslumbrado com o uso das novas possibilidades criativas, é incompatível um país indiferente à inovação e difusão tecnológica.

Quando as empresas estrangeiras se instalam aqui ficam logo assustadas com tantas facilidades para definir os interesses de suas matrizes. Os ganhos econômicos sobre quaisquer competidores locais são tão extravagantes que não deveriam afetar qualquer empresa nacional mais competitiva. Só resta para quem é local, e não tem capital ou rede comercial mais lucrativa, tornar-se sócio minoritário da novidade estrangeira. Pois como não desenvolvemos marcas próprias ou não temos capital para participar de fusões e aquisições internacionais que nos tornem matrizes, dispomos de pouco controle sobre os benefícios que nosso gigantesco mercado consumidor oferece às multinacionais. Ao ponto de assistirmos a esdrúxula situação criada pela crise atual em que filiais de países emergentes andam salvando matrizes da quebradeira.

Reorganizar o sistema produtivo e tecnológico é a forma atual de avançar a autonomia do país para ser mais fornecedor do que cliente do exterior.

É claro que não é irrelevante o fato de sermos o 84º país do mundo em Desenvolvimento Humano (IDH) e termos uma péssima distribuição de renda e baixa renda per capita. Mas o simples fato de tornarmo-nos a 6ª economia do mundo, com todos esses percalços, mostra como ainda somos capazes de avançar, reforçada a opção clara pela produtividade com igualdade social. Aperfeiçoar, permanentemente, as políticas sociais e a busca do pleno emprego é um bom caminho que aprendemos a trilhar em direção a uma sociedade onde seus talentos são colocados a favor da harmonia e da mobilidade social.

Não é de hoje, nem é novidade: o que é necessário para o mais amplo desenvolvimento econômico de qualquer sociedade é fazer avançar uma institucionalidade e uma cultura favoráveis ao conhecimento e à inovação. Sem nunca perder de vista como queremos viver. Isto é, só vale a pena tirar proveito das circunstâncias que nos favorecem se for para compartilhar o crescimento com toda a nação.

Paulo Delgado é sociólogo. Foi deputado federal.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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