O silêncio de Dilma

Muita coisa muda na percepção da política, suas luzes e sombras, de um tempo a outro. Há épocas de ação, outras de quietação. Ambas relevantes: tempos de lua de mel seguidos de  desescalada  emocional. Qualquer governo que suceda a um governo popular é pressionado  pelo  desejo de consagração e não há bússola que o livre da comparação. Errada, nesse caso, pois a escolhida para a sucessão, pelo seu partido e pelas urnas, o foi exatamente pela discrição diante da política.

Muito ruido por nada.  Mas três atores tagarelas despontam  no primeiro mês de governo da presidente Dilma. Acostumados ao mundo do semipermitido e do semiproibido que impera nesse país. Nação que vive a ansiedade do “pai na maternidade”, sempre no corredor  aguardando o que vai  acontecer dalí a pouco com a pátria amada, como se não tivesse nada a ver com aquilo que vai nascer.

Os sindicalistas :  de tão fortes e prestigiados não aceitam mais as razões  do Estado e têm seu próprio salário mínimo, suas leis, para impor ao governo que apoiam, dependem e não vivem sem. Privilegiados, não abrem mão da sensação de vítimas. Num governo injusto um sindicalista deve ser um segundo governo, mas num governo democrático em que os sindicatos prosperam comodamente é difícil imaginar que sua devoção pela luta salarial e restrições à livre contratação do trabalho tenha por base o discernimento contábil ou defesa do pleno emprego.

A política parlamentar: distorção da identidade política é um barco à deriva que navega pelo  parlamento com os 22 partidos que o compõem. Há desapontamentos, desilusões e frustrações que devem ser creditados mais aos próprios partidos e seus políticos do que ao governo, seu estilo ou rítmo. Produziu-se uma correlação direta entre o declínio da imagem pública e a pressão desabrida por cargos. O pior da política de cooptação que inunda as alianças governistas desde a redemocratização é que não só produz provas incomodas para seus personagens como avança e  gera desconfiança e incerteza para o governo.

Fazenda e Banco Central : irmãos siameses sempre em contradição e desconfiança mútua. Todo governo razoável quer ampliar a oferta de bens e serviços para o maior número de pessoas, clientes, aliados, eleitores, cidadãos. É natural e próprio da função. É a Fazenda que autoriza o gasto, com base no realismo das contas públicas. Quando todo o mundo foi obrigado a praticar juro zero por causa da crise econômica, insistimos no juro alto para sustentar gasto alto e real  sobrevalorizado. Aumentou a demanda e a pressão por crédito, o consumo explodiu e esquentou o corpo da economia com a febre da inflação.  Aumentou a tensão entre o acelerador da Fazenda e o freio do Banco central. Se você solta os gastos eu subo os juros diz o Ministro da moeda para o da Fazenda. Ainda mais quando o consumidor, entupido de crédito, transformou-se de convidado para gastar em acionista do modelo gastador.

É sabido que é necessário haver menos gasto para haver menos juros, investimento de qualidade, menos inflação.  Corrigir distorções é melhorar o modelo econômico dando-lhe estabilidade e consistência para permanecer e crescer.

O silêncio e a discrição da presidente devem ser entendidos como um encorajamento a formas virtuosas de gestão do Estado com reflexos positivos no comportamento da economia e no destino da vida dos cidadãos. Políticas de inclusão serão modernizadas para assegurar consistente mobilidade social.  Se vincularão fortemente ao universo da responsabilidade pelo  trabalho com recompensa pelo esforço. Investimentos e realizações de longo prazo, educação, infraestrutura, talentos, inovação, simplificação e razoabilidade tributária e fiscal, estímulo a marcas nacionais, sofisticação da exportação, critério na importação, modernização do mercado interno, inflação sob controle, etc.

Como o animus reivindicativo, trabalhista e político, sindical e partidário, quer influenciar na qualidade da agenda do governo que se inicia ? Ou só lhes interessa fartar-se em quantidade ?

Artigo publicado no jornal O Globo no dia em que Paulo Delgado encerrou seu sexto mandato de deputado federal. Uma reflexão sobre o primeiro mês do governo Dilma.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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